Se, do ponto de vista pedagógico, aspira-se que a literatura tenha uma permanência e uma abrangência maior, a obra literária para crianças deve ser muito mais que um simples “contar histórias”. Não deve, no entanto, aprisionar a criança através da fantasia pura, dos exemplos edificantes ou da linguagem infantilóide. A Literatura Infantil deve priorizar sempre que ser criança significa indagar, refletir, questionar e, nesse aspecto, muito mais do que ensinar a uma criança “como ser”, ela deve propiciar condições de “ser”.
Afinal, o desenvolvimento de capacidades, como relacionamento interpessoal, as cognitivas, as afetivas, as motoras, as éticas, as estéticas, as de inserção social, somente torna-se possível mediante um processo de construção e reconstrução de conhecimentos. Essa aprendizagem é exercida como o aporte pessoal de cada um, o que explica por que, a partir dos mesmos saberes, há sempre lugar para a construção de uma infinidade de significados, e não a uniformidade destes.
Os conhecimentos que se transmitem e recriam na escola ganham sentido quando são produtos de uma construção dinâmica que se opera na interação constante entre o saber escolar e os demais saberes, entre o que o aluno aprende na escola e o que ele traz para a escola, num processo contínuo e permanente de aquisições, no qual interferem fatores políticos, sociais, culturais e psicológicos.
Ao concluir este estudo, é importante ressaltar que através da leitura não é só a cultura da criança que aumenta, mas a aquisição de comportamentos e regras é feita sem dramas. E, nas palavras de Perrot (1998: 53)
A criança leitora, ao mesmo tempo em que decifra os códigos sociais, vai formando a sua própria concepção de literacidade que a levará a construções mentais mais complexas e mais marcantes, do ponto de vista afetivo dos significados das regras sociais. Pode-se dizer que o próprio livro joga e vence, ganhando mais leitores por meio do faz-de-conta do jogo literário, simplesmente por meio de uma iniciação lúdica às convenções culturais e à autonomia intelectual.
E, como conclui a nossa heroína filósofa de “A Chave do Tamanho”, Emília:
“Um palacete, sim, muito maior que a casa de Dona Benta. Vai ser difícil acostumar-se ao novo tamanho das coisas; para as formiguinhas, no entanto, esse tamanho das coisas é o natural, pois foi como sempre elas o tiveram. As formigas ruivas nem podem compreender o que é uma casa. Hão de ver as casas como partes do mundo, ou coisas que sempre foram, como os morros, as pedreiras, os rios, as árvores; e por isso passeiam sem medo pelas casas, sobem e descem pelas paredes, chegam até a fazer seus buraquinhos rente às calçadas. Quando vêm sair lá de dentro uma pessoa, acham que é apenas uma imensidade móvel, como os rios ou o mar (...) Sei que estas imensidades que estou vendo não passam de verdadeiras pulgas perto de outras coisas ainda maiores, como as montanhas; e as montanhas não passam de pulgas perto de outra coisa maior, como a Terra; e a Terra é uma pulga perto do Sol; e o Sol é um espirro de pulga perto do infinito. Como sei coisas, meu Deus!
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