Da necessidade de salvaguardar e preservar o Conjunto Urbano
do Jardim da República (na Z.E.P. do Palácio Nacional de Queluz)
A história do Bairro do Jardim da República está desde o início ligada à do Palácio Nacional de Queluz1. Se no dealbar do século XVIII Queluz assume as proporções de verdadeiro palco estival da família real portuguesa, é já nos finais do séc. XIX, inícios do séc. XX que a burguesia lisboeta, ávida do destaque dado pela nobreza presente no local e da vida campestre bucólica, começa a construir as suas residências e chalets nas imediações do Palácio Real.
Pouco a pouco, vão-se erguendo também os primeiros edifícios de rendimento, ao estilo da época e destinados inicialmente a empregados e militares bem colocados ou com algumas posses, aproveitando as facilidades de transporte oferecidas pela abertura definitiva, em 1877, da linha de caminho de ferro de Sintra. O conjunto do Bairro do Jardim da República desenvolve-se então com um traçado pitoresco em torno de um jardim e passeio central, bem ao estilo da época.
O valor patrimonial do Bairro do Jardim da República assenta sobretudo na preservação do conjunto dos edifícios que o compõem. Exceptuando alguns edifícios singulares (como por exemplo, a Casa de Stuart Carvalhais, na Av. Conde Almeida Araújo, 22), a esmagadora maioria do edificado não terá tanto um destacado mérito memorial isolado, mas adquire sobretudo um interesse patrimonial assinalável ao formar um conjunto urbano com características notáveis e distintas da envolvente, tanto mais que está hoje rodeado de urbanizações incaracterísticas.
O Bairro do Jardim da República é um dos últimos testemunhos de uma época em que Queluz conheceu um traçado urbano mais equilibrado, com espaços públicos de estadia centrais e uma arquitectura propícia à vivência da cidade e ao convívio entre as pessoas2.
O edificado caracteriza-se pela baixa-densidade (destacando-se alguns chalets e villas, que constituem bons exemplos da arquitectura civil novecentista), os lotes quase sempre ajardinados (permitindo a manutenção de espaços verdes fundamentais para a Cidade), a reduzida terciarização dos pisos térreos (na sua maioria habitados – o que facilita a proximidade entre os moradores e a rua e consequente aumento da segurança passiva do Bairro) e o jardim público central, com o respectivo Jardim de Infância.
Tudo isto contribui para as características próprias do "Bairro" do Jardim da República, que pela sua centralidade constitui parte fundamental da imagem e vivências positivas da Cidade, com elementos fortemente marcantes e contrastantes com a geral insipiência do edificado recente.
Em 1968, prevendo a pressão urbanística que ameaçava descaracterizar lentamente a envolvente ao Palácio de Queluz, foi redefinida a Zona Especial de Protecção (Z.E.P.) do Monumento Nacional de forma a abranger, entre outros, todo o conjunto edificado do Bairro do Jardim da República (conforme Portaria no Diário do Governo, 2ª série, nº 200, de 24/083). A demolição dos edifícios antigos e a sua substituição por edifícios incaracterísticos não é justificável por razões técnicas nem económicas (a reabilitação pode e deve ser promovida pela autarquia, nomeadamente por recurso a programas específicos).
A recente autorização da construção de novos prédios, à custa da demolição de edifícios antigos com muito menor densidade e com espaços verdes privados, tem custos lamentáveis para a identidade e qualidade de vida do Bairro e para o verdadeiro progresso da Cidade de Queluz, com perda de características importantes, suporte de vínculos sociais profundos da população4. Estará também a desvirtuar o enquadramento do conjunto histórico-arquitectónico formado pelo Palácio Nacional de Queluz e zona envolvente, a par da densificação e da terciarização da área5.
A valorização do Bairro, através da reabilitação do seu edificado e requalificação dos seus espaços públicos e de lazer, é uma oportunidade de renovação e melhoria sócio-ambiental, que a Cidade de Queluz não se pode dar ao luxo de perder6.
Miguel Brito Correia, arq.
José Manuel Vargas, hist.
Filipe Pedrosa, eng.
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