O Antigo Testamento associava a esperança da ressurreição à esperança messiânica do dia do Senhor. Em Daniel, a ressurreição (12.2) é vista como um acontecimento posterior à época de tribulação sob o desolador (12.1). Em Isaías, a ressurreição (26.19) é apresentada com referência à "indignação" (26.20,21). No evangelho de João, a ressurreição é apresentada como uma esperança associada ao "último dia", ou dia do Senhor (11.24). Já que isso é verdade, é necessário analisar a segunda vinda em sua relação com o plano da ressurreição. Não é possível, nesse sentido, examinar toda a doutrina da ressurreição, mas temos de limitar o estudo aos aspectos escatológicos ou proféticos da doutrina.
Prontamente observamos que a ressurreição é uma doutrina Cardinal da Palavra de Deus. O tema da ressurreição de Cristo dominou o ministério dos apóstolos após a ascensão de Cristo, a ponto de quase excluir Sua morte. Em mais de quarenta referências à ressurreição do Novo Testamento, com a possível exceção de Lucas 2.34, o termo é sempre usado em referência a uma ressurreição literal, jamais em sentido espiritual ou não-literal, e relaciona-se ao soerguimento do corpo físico. Isso teremos como pressuposto, e não como objeto de debate, neste momento.
I. Os Tipos de Ressurreição
Nas Escrituras dois tipos de ressurreição são previstos pelo plano de ressurreição de Deus: a ressurreição para a vida e a ressurreição para o juízo.
A. A ressurreição para a vida. Há uma série de passagens que ensinam essa parte característica do plano de ressurreição.
Antes, ao dares um banquete, convida os pobres, os aleijados, os coxos e os cegos; e serás bem-aventurado, pelo fato de não terem eles com que recompensar-te; a tua recompensa, porém, tu a receberás na ressurreição dos justos (Lc 14.13,14).
Para o conhecer, e o poder da sua ressurreição, e a comunhão dos seus sofrimentos, conformando-me com ele na sua morte; para, de algum modo, alcançar a ressurreição dentre os mortos (lit, a ressurreição, aquela de entre os mortos) (Fp 3.10-14).
Mulheres receberam, pela ressurreição, os seus mortos. Alguns foram torturados, não aceitando seu resgate, para obterem superior ressurreição (Hb 11.35).
Não vos maravilheis disto, porque vem a hora em que todos os que se acham nos túmulos ouvirão a sua voz e sairão: os que tiverem feito o bem, para a ressurreição da vida; e os que tiverem praticado o mal, para a ressurreição do juízo (Jo 5.28,29).
Bem-aventurado e santo é aquele que tem parte na primeira ressurreição; sobre esses a segunda morte não tem autoridade; pelo contrário, serão sacerdotes de Deus e de Cristo e reinarão com ele os mil anos (Ap 20.6).
Essas referências mostram que há uma parte do plano da ressurreição chamada "a ressurreição dos justos", a "ressurreição dentre os mortos", "uma superior ressurreição", "a ressurreição da vida", e "a primeira ressurreição". Tais expressões levam a crer que há uma separação; a ressurreição de parte dos que estão mortos, a qual deixa inalterada a condição de alguns mortos, enquanto os vivificados sofrem uma transformação completa. Blackstone diz:
Se Cristo está vindo para ressuscitar os justos mil anos antes dos injustos, seria natural e imperativo que essa primeira ressurreição fosse chamada ressurreição dos ou dentre os mortos, já que o restante dos mortos serão deixados [...] isso é justamente o que é feito com extremo cuidado na Palavra [...] Ele consiste no uso que se faz no texto grego das palavras [...] [ek nekron].
Essas palavras significam "dos mortos" ou "dentre os mortos", o que implica que outros mortos serão deixados para trás.
A ressurreição [...] [nekron ou ek nekron] ([...] dos mortos) é aplicada a ambas as classes porque todos serão vivificados. Mas a ressurreição [...] (ek nekron —dentre os mortos) não é aplicada nenhuma vez aos injustos. A última expressão é usada ao todo 49 vezes, a saber: 34 vezes para expressar a ressurreição de Cristo, que sabemos ter sido ressuscitado dentre os mortos; três vezes para expressar a suposta ressurreição de João Batista, que, como Herodes pensava, fora ressurrecto dentre os mortos; três vezes para expressar a ressurreição de Lázaro, que também foi ressurrecto dentre os mortos; em três ocasiões, ela é usada figuradamente para expressar a vida espiritual que surge da morte causada pelo pecado (Rm 6.13; 11.15; Ef 5.14). Ela é empregada em Lucas 16.31 [...] "ainda que ressuscite alguém dentre os mortos". E, em Hebreus 11.19, temos a fé de Abraão de que Deus ressuscitaria Isaque dentre os mortos.
E nas quatro vezes restantes ela é usada para expressar uma ressurreição futura dentre os mortos, isto é, em Marcos 12.25: "quando ressuscitarem de entre os mortos..."; Lucas 20.35,36: "... a ressurreição dentre os mortos"; Atos 4.1,2: "a ressurreição dentre os mortos" [...]
E em Filipenses 3.11 [...] a tradução literal é a ressurreição para fora dos mortos, em que a construção especial da linguagem dá uma ênfase especial à idéia de que essa é uma ressurreição para fora do meio dos mortos.
Essas passagens mostram claramente que ainda haverá uma ressurreição dentre os mortos; isto é, que parte dos mortos será ressuscitada, antes de todos serem vivificados. Olshausen afirma que a "expressão seria inexplicável caso não derivasse da idéia de que, dentre a multidão de mortos, alguns ressuscitarão primeiro".(W. E. Blackstone, Jesus is coming, p. 59-61)
Visto que essa ressurreição é composta de várias partes, essa, geralmente chamada a primeira ressurreição, podendo também ser chamada com maior clareza a ressurreição para a vida (Jo 5.29), é a parte do plano da ressurreição na qual os indivíduos são vivificados para a vida eterna. Inclui todos os que, em qualquer ocasião, tenham sido ou venham a ser vivificados para a vida eterna. O destino, não o tempo, determina a que parte do plano da ressurreição algum acontecimento deve ser atribuído.
B. A ressurreição para condenação. As Escrituras antecipam outra parte do plano da ressurreição que trata dos incrédulos. Essa é a segunda ressurreição, ou a ressurreição para a condenação.
... os que tiverem praticado o mal, para a ressurreição do juízo (Jo 5.29).
Os restantes dos mortos não reviveram até que se completassem os mil anos (Ap 20.5).
Vi um grande trono branco e aquele que nele se assenta, de cuja presença fugiram a terra e o céu, e não se achou lugar para eles. Vi também os mortos, os grandes e os pequenos, postos em pé diante do trono [...] Deu o mar os mortos que nele estavam. A morte e o além entregaram os mortos que neles havia... (Ap 20.11-13).
Visto que a primeira ressurreição foi completa antes de começar o reino de mil anos (Ap 20.5), "os mortos" mencionados em Apocalipse 20.11,12 só podem ser os que foram deixados para trás na ressurreição dentre os mortos e constituem os que são vivificados para a condenação. A segunda ressurreição, mais bem denominada ressurreição para a condenação, inclui todos os que são vivificados para o julgamento eterno. Não é a cronologia que determina quem participa da segunda ressurreição, mas sim o destino do ressurrecto.
II. A Hora das Ressurreições
A introdução de uma distinção no elemento tempo nas diferentes partes do plano de ressurreição trouxe consternação aos discípulos. No que diz respeito à transfiguração do Senhor, lemos:
Ao descerem do monte, ordenou-lhes Jesus que não divulgassem as cousas que tinham visto, até ao dia em que o Filho do homem ressuscitasse dentre os mortos. Eles guardaram a recomendação, perguntando uns aos outros que seria o ressuscitar dentre os mortos [ek nekron, de entre os mortos] (Mc 9.9,10).
Blackstone observa bem:
... vemos [...] por que os três discípulos favorecidos estavam "perguntando uns aos outros que seria o ressuscitar dentre os mortos". Eles entendiam perfeitamente o que significava a ressurreição dos mortos, pois essa era uma doutrina comumemente aceita pelos judeus [Hb 6.2]. Mas a ressurreição dentre os mortos era uma nova revelação para eles. (Ibid., p. 62)
O Antigo Testamento ensinava claramente o fato da ressurreição (Hb 11.17,18; Jó 14.1-13; 19.25,26; Sl 16.10; 49.15; Os 5.15-6.2; 13.14, Is 25.8; 26.19; Dn 12.2; Jo 5.28,29; 11.24), mas nenhuma revelação foi feita com respeito ao elemento tempo. Na verdade, podemos concluir que, não fosse a revelação contida no Novo Testamento, haveria uma ressurreição geral, na qual salvos e incrédulos seriam vivificados conjuntamente a fim de ser separados para seu destino final, como ensinam os amilenaristas. No entanto, o Novo Testamento contém revelação claramente contrária a isso.
Há várias passagens geralmente usadas para ensinar a doutrina falsa de uma ressurreição geral. A primeira delas é Daniel 12.2,3, em que o profeta escreve:
Muitos dos que dormem no pó da terra ressuscitarão, uns para a vida eterna, e outros para vergonha e horror eterno. Os que forem sábios, pois, resplandecerão como o fulgor do firmamento; e os que a muitos conduzirem à justiça, como as estrelas, sempre e eternamente.
Nenhuma distinção de tempo parece ser feita aqui, logo conclui-se que uma ressurreição geral é ensinada. Tregelles comenta habilmente essa passagem:
Não duvido de que a tradução correta desse versículo seja [...] "Muitos dos que dormem no pó da terra ressuscitarão — esses para a vida eterna, mas aqueles [o resto dos que dormem, os que não ressuscitam nessa hora] para vergonha e horror eterno". O paralelismo da nossa versão —"uns [...] outros"— não ocorre em nenhum outro trecho da Bíblia hebraica, no sentido de tratar distributivamente qualquer classe geral que tenha sido previamente mencionada; isso é suficiente, creio eu, para autorizar nossa aplicação de sua primeira ocorrência aqui a todos os muitos que ressuscitam, e a segunda à multidão dos que dormem, os que não ressuscitam nessa hora. Claramente essa não é uma ressurreição geral; ela aponta para "muitos dentre"; e é somente usando as palavras nesse sentido que podemos obter qualquer informação sobre o que acontece aos que continuam dormindo no pó da terra.
Essa passagem foi interpretada pelos comentadores judeus no sentido que mencionei. É claro que esses homens com o véu no coração não são guias confiáveis quanto ao uso do Antigo Testamento; mas servem de auxílio quanto ao valor gramatical e lexicográfico das frases e das palavras. Dois dos rabinos que comentaram esse profeta são Saadiah Haggaon (no século x da nossa era) e Aben Ezra (no século XII); este último era um escritor de habilidade e precisão mental inigualáveis. Ele explica o versículo da seguinte maneira:
[...] sua interpretação é: os que acordarem ressuscitarão para a vida eterna, e os que não acordarem ressuscitarão para vergonha e horror eterno...(S. R Tregelles, Remarks on the prophetic visions in the book of Daniel, p. 165-6)
Devemos concluir que o profeta está afirmando o fato da ressurreição e a sua universalidade sem definir a hora específica em que as partes da ressurreição acontecerão.
Uma passagem geralmente usada para apoiar a idéia de uma ressurreição geral é João 5.28,29. O Senhor diz:
Não vos maravilheis disto, porque vem a hora em que todos os que se acham nos túmulos ouvirão a sua voz e sairão: os que tiverem feito o bem, para a ressurreição da vida; e os que tiverem praticado o mal, para a ressurreição do juízo.
Afirma-se que o uso que o Senhor faz da palavra "hora" exige uma ressurreição geral tanto de salvos quanto de incrédulos. No entanto, essa palavra não precisa implicar tal plano de ressurreição geral. Harrison escreve:
Devemos considerar, no entanto, que a linguagem não exige coincidência das ressurreições. O uso da palavra [...] (hora) em João 5.25 permite sua extensão por um longo período. O mesmo se aplica a 4.21,23. Jesus está falando da mesma maneira que os profetas do Antigo Testamento, que agrupavam sem diferenciação de tempo os acontecimentos que viam no horizonte afastado da história.
A mesma característica é vista nos discursos escatológicos de Jesus nos evangelhos sinópticos, em que a destruição iminente de Jerusalém com os sofrimentos que a acompanham dificilmente pode ser separada da descrição do acontecimento longínquo associado à grande tribulação. Um tanto paralela, apesar de estar numa categoria diferente, é a maneira abrangente em que Jesus fala sobre a ressurreição espiritual e física numa só afirmação. Um exemplo é João 5.21.(Everett F. Harrison, The Christian doctrine of resurrection, p. 46)
O Senhor, nessa passagem, ensina a universalidade do plano de ressurreição e as diferenças dentro desse plano, mas não fala sobre a hora em que as várias ressurreições ocorrerão. Fazer a passagem ensinar isso é perverter sua intenção original.
Fica claro em Apocalipse 20 que as duas partes do plano de ressurreição estão separadas por um intervalo de mil anos. João escreve:
Vi também tronos, e nestes sentaram-se aqueles aos quais foi dada autoridade de julgar. Vi ainda as almas dos decapitados por causa do testemunho de Jesus, bem como por causa da palavra de Deus, tantos quantos não adoraram a besta, nem tampouco a sua imagem, e não receberam a marca na fronte e na mão; e viveram e reinaram com Cristo durante mil anos [...] Esta é a primeira ressurreição. Bem-aventurado e santo é aquele que tem parte na primeira ressurreição; sobre esses a segunda morte não tem autoridade; pelo contrário, serão sacerdotes de Deus e de Cristo e reinarão com ele os mil anos (Ap 20.4-6).
Observamos que a primeira parte do versículo 5, "Os restantes dos mortos não reviveram até que se completassem os mil anos", é uma afirmação separada que explica o que acontece aos que ficam para trás no reino da morte, quando a primeira ressurreição é concluída na segunda vinda de Cristo. Essa passagem ensina que haverá mil anos entre a primeira ressurreição, ou a ressurreição para a vida, e a ressurreição do restante dos mortos, que, de acordo com Apocalipse 20.11-13, é a ressurreição para a condenação. A única maneira de eliminar o ensinamento inequívoco dessa passagem é espiritualizá-la para que ela não fale sobre a ressurreição física, mas sobre a bênção das almas que estão na presença do Senhor. Sobre essa interpretação, Alford escreve:
... não posso consentir em distorcer as palavras em relação ao seu sentido simples e ao seu lugar cronológico na profecia, por conta de qualquer consideração de dificuldade ou de qualquer risco de abusos que a doutrina do milênio possa trazer consigo.
Os que viveram ao lado dos apóstolos e de toda a igreja durante trezentos anos interpretaram-na no sentido simples e literal; e é uma visão estranha nos dias de hoje ver expositores, que estão entre os primeiros em reverência à antigüidade, descartando com desdém o exemplo mais claro de unanimidade que a antigüidade primitiva apresenta. Com relação ao texto em si, nenhum tratamento legítimo extrairá dele o que é conhecido como a interpretação espiritual, agora tão popular.
Se, numa passagem em que duas ressurreições são mencionadas, em que certas almas viveram no começo, e o restante dos mortos viveu no fim de um período específico após o primeiro, se em tal passagem, a primeira ressurreição pode ser interpretada como a ressurreição espiritual com Cristo, enquanto a segunda significa ressurreição literal do túmulo, então há um fim de todo sentido na língua, e as Escrituras são eliminadas como testemunho definitivo de qualquer coisa.
Se a primeira ressurreição é espiritual, então a segunda também é, o que suponho que ninguém terá a coragem de defender. Mas, se a segunda é literal, então a primeira também é, o que, juntamente com a igreja primitiva e muitos dos melhores expositores modernos, defendo e recebo como artigo de fé e esperança.(Henry Alford, Greek Testament, w, p. 730-1)
Devemos concluir que, apesar de não haver revelação clara no Antigo Testamento sobre a relação cronológica entre as duas partes do plano de ressurreição, o Novo Testamento deixa claro que a ressurreição para a vida e a ressurreição para a condenação estão separadas por um período de mil anos.
III. O Plano da Ressurreição
O apóstolo Paulo nos dá um esquema dos acontecimentos no plano da ressurreição em ICoríntios 15.
Porque, assim como, em Adão, todos morrem, assim também todos serão vivificados em Cristo. Cada um, porém, por sua própria ordem: Cristo, as primícias; depois, os que são de Cristo, na sua vinda. E, então, virá o fim, quando ele entregar o reino ao Deus e Pai, quando houver destruído todo principado, bem como toda potestade e poder (1 Co 15.22-24).
O fato de que haverá uma divisão no plano de ressurreição depreende-se de "Cada um, porém, por sua própria ordem" (v. 23). A palavra ordem (tagma), de acordo com Robertson e com Plummer ,"é uma metáfora militar; 'companhia', 'tropa', 'bando' ou 'classe'. Devemos pensar em cada 'corpo' de tropas vindo em sua posição e ordem apropriada...". (Archibald Robertson & Alfred Plummer, First Epistle to the Corinthians, p. 354) As partes da ressurreição são vistas como os batalhões que marcham num desfile de vitória bem organizado. Porém, o conceito militar da palavra não pode ser por demais enfatizado. Harrison diz:
... é duvidoso se a força militar do mundo deve ser frisada a esse respeito, porque a metáfora com que a passagem começa é a de "primícias", e, como vimos, isso exige uma colheita semelhante em natureza às primícias. Essa idéia deve ser vista mais certamente como reguladora do sentido que a força de [...] [tagma]. Sem dúvida tudo o que Paulo pretende transmitir pelo uso de [...] [tagma] é a idéia de seqüência.(Harrison, op. cit., p. 192)
Nessa seqüência da marcha de ressurreição, Cristo é sem dúvida o líder do batalhão, ou as "primícias" da colheita que promete grande abundância de frutos semelhantes que frutificarão na hora determinada. Essa fase do plano de ressurreição foi cumprida na ressurreição de Cristo no terceiro dia e marca o começo de todo esse plano de ressurreição.
Um segundo grupo é introduzido pela palavra "depois". Essa palavra (epeita) significa um espaço de tempo de duração indeterminada. Edwards comenta: "Ele não diz que um acontecimento segue o outro imediatamente, nem diz quão cedo ele se seguirá".(T. C. Edwards, The First Epistle to the Corinthians, p. 414) Há liberdade aqui para abranger um espaço de tempo entre a ressurreição de Cristo e a ressurreição "dos que são de Cristo, na sua vinda".
Tem havido diferença de opinião quanto a quem é mencionado no segundo grupo. Alguns interpretam o termo os que são de Cristo (hoi tou Christou) como sinônimo daqueles "em Cristo" (en tõ Christo) do versículo 22. Essa seria a expressão técnica que descreve a relação dos santos para com Cristo na presente era. Logo, concluímos que essa é a ressurreição da igreja mencionada em I Tessalonicenses 4.16. Essa teoria é apoiada por uma referência à palavra vinda (parousia), geralmente aplicada ao arrebatamento. Paulo estaria afirmando assim que o segundo grande grupo na marcha da ressurreição seria formado por aquelas pessoas da presente era que ressurgirão no arrebatamento da igreja.
Os que defendem tal teoria afirmam que Paulo não está mencionando aqui a ressurreição dos santos da tribulação, nem os santos do Antigo Testamento. No entanto, já que Paulo está descrevendo o grande plano de ressurreição, parece estranho que esses importantes grupos fossem omitidos. É melhor aceitar a teoria alternativa de que a expressão os que são de Cristo é uma referência geral a todos os redimidos, da igreja, do período do Antigo Testamento e do período da tribulação, todos os quais serão vivificados na "vinda" de Cristo. A palavra vinda, então, seria interpretada no seu sentido mais amplo, aplicando-se à segunda vinda e ao seu plano, e não apenas ao arrebatamento. Assim Paulo estaria falando que o segundo grande grupo seria composto por santos de todas as eras que serão vivificados na Segunda vinda porque pertencem a Cristo.
Há um debate vigoroso entre os expositores quanto ao significado da expressão "então virá o fim" (v. 24). Alguns acham que a palavra ressurreição deveria ser incluída (então virá o fim da ressurreição), e assim Paulo estaria falando sobre o término do plano com a ressurreição dos incrédulos mortos no final dos mil anos. Outros argumentam que os incrédulos não estão incluídos, mas que Paulo ensina que a ressurreição será seguida pelo fim dessa era (então virá o fim da era), como em Mateus 24.6,14 e em Lucas 21.9. A questão é decidida pela interpretação do relacionamento entre os dois usos de "todos" no versículo 22. Eles são co-extensivos ou não?
A primeira teoria afirma que os "todos" que morrem em Adão não são os mesmos "todos" vivificados em Cristo. A interpretação dos que defendem essa posição é a de que no versículo, embora todos os que estão em Adão morram, a ressurreição descrita inclui apenas os salvos que estão "em Cristo", e "o fim" deve então referir-se ao fim da era. Harrison resume os argumentos dessa posição quando escreve:
A interpretação do versículo 22 geralmente usada para apoiar essa construção considera a segunda ocorrência [...] [pantes, todos] co-extensiva à primeira. O "todos" é universal em ambos os casos. É certo nesse ponto que dificuldades começam a cercar a teoria descrita. Como observamos em outra conexão, a palavra [...] [zoopoiethesontai] é um termo muito forte e muito complexo espiritualmente para ser usado com respeito a todos os homens. O termo natural para ressurreição de um tipo totalmente abrangente seria [...] [egeiresthai].
As palavras "em Cristo" não podem ter nenhum significado inferior ao que têm em qualquer outro lugar. Essa fase fala da conexão soteriológica mais íntima e poderosa com Cristo. Os incrédulos não estão incluídos. Meyer e Godet estão no caminho errado ao supor que [...] [en christo] tem aqui um significado diluído que permite a aplicação a incrédulos. Tal aplicação exigiria [...] [dia christou] em vez de [...] [en christo].
Uma segunda dificuldade é o fato de que toda a discussão do capítulo tem em vista apenas crentes. Pelo menos, nada é dito claramente sobre quaisquer outros. Paulo centraliza a atenção de seus leitores em Cristo como as primícias dos mortos crentes. A palavra [...] [aparche] (primícias) e o verbo [...] [koimao] (dormir) aplicam-se apenas a crentes. Cristo não é as primícias dos outros, já que eles devem necessariamente ser de todo diferentes dEle em sua ressurreição. Então, os mortos incrédulos também não "dormem". Eles morrem.
Uma dificuldade se apresenta no uso artificial e inédito de... [telos] que essa construção exige. A palavra significa "fim" no sentido absoluto de término ou conclusão. Às vezes é usada no sentido de propósito ou alvo. Mas esse uso como o equivalente de um adjetivo (ressurreição final) não tem nenhum exemplo. Tal dificuldade pode ser resolvida ao considerarmos sua força normal de substantivo e ao incluir "da ressurreição", caso em que toda oração ficaria "então virá o fim da ressurreição". Mas uma teoria que exige a inclusão de palavras que são cruciais à sua integridade deve permanecer sob certa suspeita. (Harrison, op. cit., p. 191-2)
A mesma teoria é apoiada por Vine, que diz:
... como Adão é o cabeça da raça natural, e, em virtude dessa relação com ele, a morte é o destino comum dos homens, então, pelo fato de que Cristo é o Cabeça da raça espiritual, todos os que possuem relação espiritual com Ele serão vivificados. Não há idéia de universalismo da raça humana na comparação da segunda afirmação com a primeira. Que os incrédulos estejam "em Cristo" é totalmente contrário ao ensinamento das Escrituras [...] logo, apenas os que se tornam novas criaturas e possuem vida espiritual, e portanto estão "em Cristo" na sua experiência nesta vida presente, estão incluídos no "todos" da segunda afirmação, os quais serão "vivificados".(W. E. Vine, First Corinthians, p. 210.)
Logo, de acordo com essa teoria Paulo está vendo dois estágios no plano da primeira ressurreição: a ressurreição de Cristo e a ressurreição de todos os que são de Cristo, o que incluiria os santos da igreja, os santos da tribulação e os santos do Antigo Testamento, que são vivificados por ocasião da segunda vinda, ressurreição essa que seria seguida pelo fim da era.
Há aqueles, no entanto, que interpretam a passagem como se Paulo estivesse incluindo o fim do plano de ressurreição no seu ensinamento. Assim, a expressão "em Cristo" seria entendida como instrumental, "por Cristo". Robertson e Plummer comentam:
Talvez Paulo esteja pensando sobre uma terceira [...] [tagma, ordem], aqueles que não são de Cristo, que serão vivificados pouco antes do fim. Mas, durante toda a passagem, os incrédulos e os ímpios ficam de lado, se é que chegam a ser lembrados. (Robertson & Plummer, loc. cit)
Feinberg escreve:
O contexto fala sobre ressurreição, e a ressurreição final está em vista aqui, de acordo com vários comentadores. Com os últimos, concordamos. O apóstolo demonstrou que há estágios definidos na ressurreição dos mortos. Primeiro, Cristo, que é as primícias; segundo, os que são de Cristo na Sua vinda; terceiro, a ressurreição final dos incrédulos.(Charles Feinberg, Premillennialism or amillennialism, p. 233)
Pridham descreve a ordem dessa maneira:
... o apóstolo distribuiu o grande trabalho da ressurreição como uma manifestação do poder divino, em três atos definidos e independentes: 1. A ressurreição do Senhor Jesus. 2. A ressurreição dos Seus na Sua vinda. 3. O esvaziamento definitivo de todo túmulo no final da administração do reino do Filho, quando se apresentarão os mortos não incluídos na primeira ressurreição, pequenos e grandes, para o julgamento diante de Deus.(Arthur Pridham, Notes and reflections on the First Epistle to the Corinthians, p. 392)
Visto que a palavra "fim" (telos) no seu emprego básico se refere ao fim de um ato ou estado e se relaciona ao término de um plano, (Joseph Henry Thayer, Greek-English lexicon of the New Testament, p. 619-20) é preferível entender que Paulo inclui a ressurreição final nos grupos que marcham e aqui são retratados.
Mais uma vez devemos observar que Paulo está prevendo um intervalo de tempo entre a ressurreição dos que estão em Cristo e o fim, seja no fim da era, seja no fim do plano de ressurreição. Vine diz:
... a palavra traduzida por "então" não é tote, "então" no sentido de "imediatamente", mas eita, indicando seqüência no tempo, "então" após um intervalo, e.g., Marcos 4.17,28, e versículos 5 e 7 do capítulo atual. O intervalo subentendido aqui no versículo 24 é aquele durante o qual o Senhor reinará no Seu reino milenar de justiça e paz. (Vine, op. cit., p. 211.)
IV. A Ressurreição de Israel
Para esboçar corretamente os acontecimentos do plano de ressurreição, é necessário definir a hora da ressurreição de Israel para que possamos observar a seqüência correta. É comum entre os dispensacionalistas ensinar que a ressurreição de I Tessalonicenses 4.16 inclui os santos do Antigo Testamento tanto quanto os santos da igreja. Desprezando as diferenças essenciais no plano de Deus com relação aos dois grupos, afirma-se que suas ressurreições são simultâneas, com base em vários argumentos:
1) a redenção de Israel depende da obra de Cristo, assim como a redenção da igreja, e então pode-se afirmar que eles estão "em Cristo" e ressuscitam ao mesmo tempo;
2) a "voz do arcanjo" em I Tessalonicenses 4 tem significado especial para Israel, como "a trombeta de Deus" tem para a igreja, e assim ambos estão incluídos;
3) os 24 anciãos de Apocalipse incluem santos do Antigo e do Novo Testamento e, portanto, todos devem ter ressurgido;
4) Daniel 12.2,3 não fala sobre ressurreição literal, mas sobre restauração nacional, logo a passagem não indica a hora da ressurreição de Israel, mas sim a hora de sua restauração. (Cf. William Kelly, Lectures on the book of Daniel, p. 255)
Em resposta, certas observações devem ser feitas.
1) Apesar de Israel ser redimido pelo sangue de Cristo, jamais experimentou o batismo do Espírito Santo, que os teria colocado "em Cristo", portanto essa fase só pode descrever os santos da era presente que se relacionam com Cristo dessa maneira.
2) Quanto à idéia de que a menção de um "arcanjo" deve necessariamente incluir Israel por causa dos ministérios especiais dos anjos àquela nação (cf. Dn 12.1), deve-se observar que tal afirmação desconsidera o fato de que no livro de Apocalipse ministérios angelicais são mencionados em relação ao plano de julgamentos que precede a segunda vinda e em relação à vinda em si, não só quando o acontecimento está relacionado a Israel, mas quando está relacionado a outros também.
3) Com relação ao fato de que a nação de Israel está incluída por causa dos 24 anciãos, foi demonstrado anteriormente que eles representam a igreja apenas e Israel não precisa estar incluído aqui.
4) Finalmente, Daniel 12.2,3 não pode ser tratado figuradamente sem violar todo o princípio da interpretação literal.
O comentário de Tregelles foi observado anteriormente. West acrescenta:
A verdadeira tradução de Daniel 12.2,3, em relação ao contexto, é "e (naquela hora) muitos (do seu povo) dos que dormem no pó da terra ressuscitarão (ou serão separados), uns (que ressuscitam) para a vida eterna, e outros (que não ressuscitam naquela hora) para vergonha e horror eterno". É assim que traduzem os melhores doutores em hebraico e os melhores exegetas cristãos; e esse é um dos defeitos da Versão revisada [em inglês] que [...] permitiu que a impressão errada que a Versão autorizada [em inglês] dá sobre o texto continue. (Nathaniel West, The thousand years in both Testaments, p. 266)
Comentando essa passagem, Gaebelein diz:
A ressurreição física não é ensinada no segundo versículo desse capítulo; se fosse, a passagem estaria em conflito com a revelação relativa à ressurreição no Novo Testamento. Não existe uma ressurreição geral, mas haverá a primeira ressurreição, da qual apenas os justos participam, e a segunda ressurreição, que significa a ressurreição dos mortos incrédulos para seu castigo eterno e consciente [...]
Repetimos que a mensagem não tem nada que ver com ressurreição física. A ressurreição física é usada, no entanto, como metáfora do reavivamento nacional de Israel naqueles dias.(Amo C. Gaebelein, The prophet Daniel, p. 200)
Essa interpretação parece basear-se na idéia preconcebida de que a igreja e Israel serão vivificados juntos e também na falsa interpretação de que, literalmente interpretado, Daniel 12.2 precisa falar de uma ressurreição geral e, logo, é necessário espiritualizar a passagem. Devemos observar que essa espiritualização surge não da interpretação da passagem, mas de uma tentativa de atenuar certas discrepâncias, que, conforme foi demonstrado, não existem. Parece muito melhor entender essa passagem como um ensinamento da ressurreição física literal.
Em outra passagem paralela, que trata da ressurreição de Israel, Isaías 26.19, Kelly espiritualiza novamente a ressurreição para fazer com que defenda a restauração. Ele diz:
Mas no capítulo 26, a alusão à ressurreição é empregada como metáfora, porque o contexto prova que ela não pode referir-se ao fato literal; pois, se o fizesse, negaria que os incrédulos ressuscitarão.(William Kelly, Exposition of Isaiah, p. 265.)
Entretanto, a questão da ressurreição dos incrédulos não está em vista aqui. Harrison diz:
Embora possa parecer que o versículo 14 ensine que não há ressurreição para os senhores que exerceram domínio sobre Israel, e portanto não há ressurreição para os injustos, faltam provas de que o versículo se refira a eles. Os dois termos, "mortos" e "sombras" ("falecidos" na Versão Revisada) [em inglês] não possuem o artigo definido. Aparentemente tudo o que está incluído aqui é uma observação de que, considerando-se a experiência, a morte continua tendo domínio sobre os que estão debaixo do seu poder. Então no versículo 19 vem uma grande exceção. Parece que não há no contexto nenhuma alusão a uma não-ressurreição dos injustos. (Harrison, op. cit., p. 30)
Assim, as passagens devem ser interpretadas como referências à ressurreição literal de Israel.
Nesse sentido é necessário um comentário em relação a Ezequiel 37, a visão do vale dos ossos secos. Alguns acreditam que a menção de "sepulturas" em Ezequiel 37.13,14 poderia demonstrar que está em vista aqui a ressurreição, pois não parece significar "um lugar entre as nações", mas sim "um lugar de sepultamento". No entanto, os ossos não são vistos numa sepultura, mas espalhados sobre o vale. Ezequiel deve estar usando aqui a metáfora de sepultamento e ressurreição para ensinar a restauração.
Então, me disse: Filho do homem, estes ossos são toda a casa de Israel. Eis que dizem: Os nossos ossos se secaram, e pereceu a nossa esperança; estamos de todo exterminados. Portanto, profetiza, e dize-lhes: Assim diz o Senhor Deus: Eis que abrirei a vossa sepultura, e vos farei sair dela, ó povo meu, e vos trarei à terra de Israel. Sabereis que eu sou o Senhor, quando eu abrir a vossa sepultura e vos fizer sair dela, ó povo meu. Porei em vós o meu Espírito, e vivereis, e vos estabelecerei na vossa própria terra [...] Assim diz o Senhor Deus: Eis que eu tomarei os filhos de Israel de entre as nações para onde eles foram, e os congregarei de todas as partes, e os levarei para a sua própria terra. Farei deles uma só nação na terra, nos montes de Israel (Ez 37.11-14,21,22).
Na explicação da visão (v. 21,22) Ezequiel mostra claramente que o que está em vista é a restauração. Poderia ser concluído aqui que Ezequiel está falando sobre restauração, e não sobre ressurreição. Gaebelein diz:
Nessa visão dos ossos secos, a ressurreição física é usada como metáfora da restauração nacional de Israel [...] Quando lemos em Ezequiel a respeito das sepulturas, devemos considerar o significado literal de sepulturas, mas as sepulturas são símbolos da nação sendo enterrada entre os gentios. Se esse ossos secos significam os mortos físicos da nação, como explicar que eles falem: "Os nossos ossos se secaram, e pereceu a nossa esperança?".(Arno C. Gaebelein, The prophet Ezekiel, p. 246.)
Portanto, deve-se concluir que a ressurreição de Israel não acontece na hora do arrebatamento porque essa ressurreição inclui apenas os que estão "em Cristo" (lTs 4.16) e Israel não ocupa essa posição. Além disso, a conclusão é provada porque a igreja é um mistério, e Deus completará o plano para a igreja antes de concluir Seu plano com Israel. A ressurreição é vista como um acontecimento final, e a ressurreição de Israel não poderia vir até a conclusão do seu plano. Finalmente, a impossibilidade da espiritualização de Daniel 12.2 e de Isaías 26.19 em restauração exige que a ressurreição da igreja e a ressurreição de Israel aconteçam em ocasiões distintas.
As referências do Antigo Testamento já citadas mostram que a ressurreição de Israel ocorre na segunda vinda de Cristo. Daniel 12.1,2 afirma que a ressurreição acontece "naquele tempo", que deve ser o tempo descrito anteriormente, ou no tempo dos acontecimentos finais da septuagésima semana, quando o fim chega para a besta. "Naquele tempo" haverá um livramento (v. 1) e uma ressurreição (v. 2). Essa passagem parece mostrar que a ressurreição está associada ao ato de livramento da besta na segunda vinda. Da mesma maneira, Isaías 26.19 mostra que a dádiva de ressurreição prometida não acontece até "que se passe a ira" (v. 20). Essa indignação não é nada mais que o período da tribulação, e a ressurreição de Israel acontece no final desse período. Parece ser um erro afirmar que tanto a igreja quanto Israel serão vivificados no arrebatamento. As Escrituras demonstram que Israel será vivificado no final da tribulação, enquanto a igreja será vivificada antes disso.
A ordem dos acontecimentos no plano de ressurreição será:
1) a ressurreição de Cristo como o princípio do plano de ressurreição (1 Co 15.23);
2) a ressurreição dos santos da era cristã no arrebatamento (lTs 4.16);
3) a ressurreição dos santos do período da tribulação (Ap 20.3-5), juntamente com
4) a ressurreição dos santos do Antigo Testamento (Dn 12.2; Is 26.19) na segunda vinda de Cristo à terra, e, finalmente,
5) a ressurreição final dos mortos não-salvos (Ap 20.5,11-14) no fim da era milenar.
Os quatro primeiros estágios seriam todos incluídos na primeira ressurreição ou ressurreição para a vida, visto que todos recebem vida eterna, e o último seria a segunda ressurreição, ou a ressurreição para a condenação, visto que todos recebem julgamento eterno naquela ocasião.
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