O Amor Desgarrado ou O Desventurado Amor
A Desgarrada
Personagens:
Casimiro
Maria
Roberto
Maria Pastora
Lúcifer
São Pedro
Antiga Casimiro
Detém-te astro divino,
Amor do meu coração
Encanto da minha alma
Serás a minha perdição!
Não me importa ser perdido,
Sou com toda a alegria.
Jurei lograr-te, meu amor!
Encanto da minha vida!
Maria Antiga
Não façais pouco de mim
Eu não me quero deter
Vós sois um homem casado
Ide para vossa mulher.
Se o mundo o chega a saber
Darei penas e ais
E será grande vergonha
Se o sabem os meus pais!
Casimiro
Cala-te, meu amor,
Tudo arranjarei por manha
Se chegar a descobrir
Fugiremos os dois para Espanha.
Anda e não te detenhas!
Ninguém nos vê, nem o rasto
Para brincar à vontade
Debaixo daquele carrasco.
E nos uniremos os dois
Como os anjos do Céu
Já está destinado
Por aquele supremo Deus!
Música
Depois de bailar fala Roberto:
Roberto
Sempre fui nobre no mundo
Mas tenho que arranjar que comer
Alguma coisa hei-de ganhar
Vou dizer-lho à mulher.
Ó senhora Maria...
Vou falar-vos ao onvido
Aquela pastora que fia
Está com o vosso marido.
Maria
Hei-de-lhe dar o castigo
Tu testemunha hás-de ser
Essa sem vergonha
Fazer pouco de uma mulher!
Ensina-me o sítio
Eu com eles hei-de ir ter
Vão a saber quem eu sou
Pois não me importa morrer.
Roberto
Debaixo daquele carrasco!...
Não sei se rir ou chorar
Ele tem uma cajada
É capaz de com ela me dar!
Já me quero retirar
Não quero que desconfie
Que os estou a espreitar!...
Maria
Ah seu desgraçado!...
Por fim te encontrei
O dia que tu te casaste
Também eu me casei.
Fala para Maria Pastora:
Maria
E tu, ó desgarrada,
Abandonaste-me a mim!
És uma desgraçada
Triste será o teu fim.
Maria Pastora
Desculpai-me, tia Maria!...
Eu cá neste perigo
Estou mesmo envergonhada!
A culpa foi do seu marido.
Fala para o novo:
Oh meu triste destino
Aonde me chegou
Oh desgraçada mãe
Para que é que me criou?!...
Chora.
Fala Casimiro para Maria sua mulher:
Casimiro
Por Deus ou por o Diabo?...
Retira-te da minha vista
Antes que o nojo me creça
E me vingue em tua vida...
Maria
A morrer com alegria,
Oh amor de perdição!...
Chora.
Não és nada, somente um Judas
Que me juraste traição.
E diz-me pois então
Porque é que me trocaste?...
Agora queria saber
Quanto na troca ganhaste.
Casimiro
Agora o vais saber!...
Dá-lhe porrada com a cajada até cair no chão. Depois para Maria Pastora diz:
Casimiro
Ó minha querida Maria!
Agora já não tenho mulher.
Roberto
A del rei batatas fritas
Tudo vai atrapalhada
Já matou a sua mulher!
Eu te vou dar a mocada...
Ó seu barbas de capuchino
A justiça vou chamar!...
Ele já fugiu com o medo
Com sua merenda vou jantar!
Quando Roberto se ia chegando a eles foge Casimiro e a amante pastora e fala Roberto para Maria:
Roberto
Ó mulher estás morta ou viva?
Vais-te embora nem te vejo
Vou a ver o serrão
Que ainda está cheio.
Fala Maria indo embora:
Maria
Maldito seja esse homem
Que comigo casou
Sou a mulher mais desgraçada
Que no mundo se criou!...
Roberto pega no serrão examina e diz:
Roberto
É touchinho, é bom para engordar!
Tenho aqui uma boa pinga
Vou ir ter um bom jantar!
Come e bebe, de imediato começa a música.
Música
Roberto para o povo:
Roberto
Agora de barriga cheia
É que me vou entender
Todos e tais de boca aberto
Com vontade de comer.
Ao começar a bailar saem os abismos infernais deitando fogo.
Lúcifer
Nestes dias de festa
Ah! Este mundo vim caçar!
Ainda hei-de apanhar mais
Por hoje já tenho um par.
Ao Inferno hão-de ir parar
Para conseguir meu intento
Porque pecaram
Lá no sexto mandamento.
Para o público:
Também o rico avarento e o enjurário
Pelos dois farão um par
Já os tenho cá escritos
Que ao Inferno hão-de ir parar.
Donzelas escandalosas,
O ladrão e o mexeriqueiro
Estes e muitos mais
Lá irão para o caldeiro...
E com isto vou-me embora
Não me quero mais deter
Atiçar mais o fogo
Para tudo estar a ferver!...
Roberto
Mal posso andar
De quanto vi o Diabo
Já me está a cheirar mal
Parece-me que estou borrado!
De repente cantam e o doudo foge espavorido. Cantam dentro:
Ó hino da vitória,
Cantamos com alegria
De uma mártir que há-de vir
Para nossa companhia.
São Pedro
Um anjo, meu mensageiro
Me veio avisar
Que no mundo estava uma mártir
Para um dia no Céu entrar.
Sai Maria.
São Pedro
Vistes no mundo
Esta mulher marterizada
É por isso que há-de vir
Para minha feliz morada.
Fala Maria de joelhos:
Maria
Abandonada no mundo
Me narrou a minha sina
Por isso vim enviada
Para vossa companhia.
Fala S. Pedro, dá-lhe a mão e levanta-a:
São Pedro
É com toda a alegria
Um dia no Céu hás-de entrar
Apagar o tributo cá na terra
Até que te venha chamar.
Por hoje me vou despedir
Vim dar ao mundo uma lição
Irei ao meu destino
Para o símbolo de Abraão.
Roberto
Eu também queria ir ao Céu
Mas estou todo esfarrapado
O que me resta é bailar
Depois que me leve o Diabo.
Música
Sai de novo Maria Pastora.
Maria Pastora
Bem desgraçada fui no mundo!...
Agora reconheço a verdade
Irei sofrer e penar
Para toda a eternidade!...
Tinha que ser meu destino!...
E por Deus foi decretado
Vou a penar para sempre
Por me namorar de um casado!...
Oh vaidades e ilusões
Deste desgraçado mundo
Pois irei a penar
Para o abismo profundo!...
Sai Lúcifer e diz:
Lúcifer
Pois ficas a saber
E nada de chorar
E o teu amante
Também te há-de acompanhar!...
Vai em busca do amante. Apareceu Casimiro e fala:
Casimiro
Pois de meu tempo passado
Já estava esquecido
Mais agora que velhinho
Já estou arrependido.
Lúcifer
Pois os dois ireis
Para o abismo profundo
A pagar o escândalo
Que fizestes neste mundo.
Lúcifer para o público:
Lúcifer
Todos os que estabs a ver
Nisto haveis de reparar
Não há-de ficar nem um só
Que ao Inferno não vá parar.
Por isso aqui me vedes
Dar-vos uma lição de moral
Para que haja respeito e ordem
Na Nação de Portugal!
Vai-se Lúcifer e sai o gracioso e diz:
Roberto
Aqui se acabou a história
Deste velho entremez
Se não foi a vossa vontade
Ele será para outra vez.
Ó senhores que viestes de fora
Também vos quero avisar
Não se vá ninguém embora
Sem primeiro cá jantar.
Se alguém de cá vos chama
Para casa do taberneiro
É de boa vontade
Se acaso leva dinheiro!
Fim da obra do Auto da Pastora
Juntamente com a Desgarrada
Em 1 de Março de 1974
Aureliano António Cristal Ribeiro
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